sábado, janeiro 07, 2006

A contrafacção do Hino Nacional

PorAntónio Bagão Félix

Não me conformo com contrafacções espúrias, deslocadas e oportunistas. E o que se passa com um anúncio é uma grosseira manipulação de um símbolo nacional que merece ser integralmente dignificado e valorizado
1.Diz o artigo 11.º da Constituição Portuguesa que os símbolos nacionais são a Bandeira Nacional e o Hino Nacional.Vem esta referência a propósito de um anúncio que agora está a passar nas televisões (incluindo a pública) publicitando a actividade de uma empresa marcante na economia nacional e prestadora de um serviço de natureza pública. É que as imagens do anúncio são acompanhadas, do princípio ao fim, por uma versão integral e abastardada do Hino Nacional. Por outras palavras: o nosso hino serve agora de guarnição sonora a operações publicitárias. Neste caso concreto, de telecomunicações, amanhã por que não de detergentes, pastilhas elásticas ou preservativos por uma outra qualquer entidade ou mesmo por uma multinacional?2. Bem sei que hoje este tipo de símbolos vem sendo sucessivamente desvalorizado, seja pelo seu uso indevido e inoportuno, seja pela inflação pacóvia do seu abuso, seja pela omissão, descuido e ignorância. Ainda hoje sobram nas ruas e nas janelas pedaços e retalhos imundos da Bandeira Nacional hasteada mimeticamente até à náusea por ocasião do Euro 2004, com tão ligeiro respeito que a energia mobilizadora para as desfraldar redundou num insuportável alheamento e preguiça para recolher os seus restos.Hoje as crianças e jovens de Portugal já dificilmente soletram a Portuguesa, ignorada na escola e substituída por outros sinais fátuos do "futuro", mais mercadizáveis e apelativos. Quando a escola se desvaloriza, tudo se torna escola. Até (e muito...) a publicidade... De vez em quando, também se ouvem telemóveis registar uma chamada com a Portuguesa disponibilizada pelas operadoras, em concorrência aberta com qualquer dos muitos toques "pimba" que por aí abundam para desgraça dos nossos ouvidos.De há alguns anos a esta parte, só quase me recordo de ouvir o Hino Nacional no futebol entre selecções (ainda que à mistura com assobios, impropérios e apupos) e em esparsas cerimónias públicas a que já poucos dão atenção a não ser por obrigação e outros teimam em desrespeitar ao quebrar alarvemente o silêncio durante a sua audição. Só falta mesmo haver um novo concurso de "chuva de estrelas" interpretando o nosso hino...3. Há Altas-Autoridades para tudo e todos os gostos. Há Provedorias do Consumidor em profusão. Há até Gabinetes de Objecção de Consciência. Há protestos sobre tudo e sobre nada. Mas, curiosamente, depois da saga dos crucifixos a abater, onde estão agora os zelosos do interesse público perante ofensas contra símbolos constitucionais?Pena que já nada disto suscite a mais pequena reacção dos representantes do Estado português, a começar pelo Presidente da República, e que a sociedade continue a primar pela mais insidiosa das doenças que é a indiferença cívica. E que dizem os candidatos ao mais alto cargo da república?4. Alguns dir-me-ão que isto são minudências. Que sejam se quiserem, mas que mesmo na sua pouca importância sejam devidamente respeitadas. Outros tentarão ver nisto um nacionalismo exagerado. Que vejam se quiserem, mas para mim há valores, símbolos e desígnios que não podem ser alienados por fazerem parte do património incorpóreo de Portugal, apesar de vivermos numa sociedade de zapping em que parece já não haver espaço, nem tempo para respeitar os símbolos. E entre eles está o Hino Nacional como o canto solene em nome da nação. E o seu significado é de tal maneira marcante que a sua letra - hoje claramente desajustada - não foi sequer modificada.Perante os símbolos pátrios tenho sobretudo uma posição de respeito. Ainda sou dos que se levantam quando toca o nosso hino. A minha atitude nem é alimentada por um qualquer anátema estúpido, nem por um exacerbamento serôdio. Mas não me conformo com contrafacções espúrias, deslocadas e oportunistas. E o que se passa com o citado anúncio é uma grosseira manipulação de um símbolo nacional que merece ser integralmente dignificado e valorizado.
Ex-ministro das Finanças

4 Comments:

Blogger PDivulg said...

Haja respeito por aquilo que é nosso! E que deve ser preservado longe de qualquer campanha publicitária! Tiveram um bom exemplo a Galp aquando do europeu criou uma canção (Quero mais) que acabou por andar na boca de todos sem necessidade de recorrer a símbolos nacionais como o PT faz!

terça jan. 10, 09:17:00 da manhã 2006  
Blogger Em contra-corrente said...

Gostei de ouvir o Hino Nacional mas achei abuso usá-lo para aquele fim.
Beijos

terça jan. 10, 06:32:00 da tarde 2006  
Blogger Em contra-corrente said...

Obrigado pela visita.
Essa do Hino merece também a nossa crítica. Banalizá-lo assim é pouca vergonha!

quarta jan. 11, 10:51:00 da manhã 2006  
Blogger Ver para crer said...

Dizes bem: «Banalizá-lo assim é pouca vergonha!»
Não podia estar mais de acordo.

quarta jan. 11, 10:52:00 da manhã 2006  

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